Exemplo

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Hulha Negra está para o pampa gaúcho como o mate amargo está para o chimarrão; como o assado de couro está para o churrasco; como o serigote está para a sela. Pois no solo misterioso de Hulha Negra se encontram ainda lugarejos de essência, onde a cultura ancestral da campanha gaúcha se preserva, ainda intocada por espelhamentos e representações.
Oficialmente, a história de Hulha Negra começa com a fundação da estação ferroviária, em 1884, em torno à qual floresce o gérmen de comunidade que daria origem ao atual município.
Contudo, a cultura peculiar da região deita raízes nos séculos passados, bebendo de fontes às vezes perdidas para os registros, nas eras em que os indígenas minuanos cruzavam a planície, domando o cavalo asselvajado e preando o gado chimarrão.
O encontro entre portugueses, espanhóis, indígenas e africanos deu origem ao tipo que habita essas campinas. Por aqui andaram os jesuítas, tentando estabelecer postos avançados para os Sete Povos das Missões. Mais tarde, vieram outros grupos, como italianos e alemães. Tudo se misturou e se recriou na vastidão da planura.
A estação, criada em 1884, ganhou o nome de Rio Negro, em homenagem ao curso d’água que nasce nessas redondezas. Em 1893, a região foi dilacerada pela Revolução Federalista, em que os maragatos se opuseram à constituição autoritária de Júlio de Castilhos. Nos campos vizinhos à estação, ocorreu uma das batalhas mais famosas daquela guerra – o combate do Rio Negro. Os seguidores de Júlio de Castilhos acusaram os maragatos de degolarem um número incerto de prisioneiros, que, de acordo com os relatos, pode variar entre treze e trezentos. O certo é que a Degola do Rio Negro assumiu proporções legendárias e deu origem a poemas, contos, livros – como “Lagoa da Música”, de Pedro Wayne, que explora este e outros elementos do folclore da região.
Ainda hoje, persistem nos campos de Hulha Negra os resquícios de histórias cujos contornos se perdem na névoa do tempo. Aqui e ali, apontam nas coxilhas as ruínas circulares dos velhos mangueirões de pedra, onde os indígenas catequizados pelos jesuítas aquerenciavam seu gado, e onde mais tarde os tropeiros se refugiavam contra a ronda das onças-pintadas.
As velhas casas de estâncias, os postos isolados, as taperas que pouco a pouco voltam a se misturar à própria natureza são testemunhos mudos, mas eloquentes, de uma história que ainda está sendo escrita.
E nas casas hospitaleiras, onde ainda se faz a linguiça e o queijo à moda antiga, onde ainda se cura o butiá na cachaça para produzir licores, e ainda se usa a lã de ovelha para fazer o poncho artesanal, persiste a sabedoria antiga de um povo que campeia o futuro sem perder o sinuelo do passado.